domingo, 13 de agosto de 2017

POR QUE SOU VEGETARIANO


Num livro de que tenho falado ultimamente, Jon Ronson escreve, e cito de memória, que se tornou vegetariano porque foi sendo confrontado, ao longo de várias reportagens, com o espectáculo do morticínio de animais em que assenta a alimentação humana. Concluía afirmando que, apesar de, por vezes, sentir a falta de um bife (menos, porém, do que previra, acrescenta ele), nunca poderia pactuar com a carnificina. Gostei da ideia. Transcrevi-a no Facebook.

Se esperava risos dos carnívoros, o que de imediato recebi foram comentários de duas boas amigas vegetarianas. O bife não faz falta, sentenciava uma. Ele não é um genuino vegetariano, acusava outra: a carne não deveria ser sequer objecto de desejo.

Ora a mim agrada-me, em Ronson, precisamente a coerência. Como Angel, o vampiro convertido ao Bem, que decide, por um acto puro de vontade, contrário às suas inclinações, nunca mais se alimentar de sangue humano, também Ronson sabe que a sua natureza tende para o pecado. Para ele, ser vegetariano não é automático. Foram demasiados anos de uma educação que o condicionou. Tomando consciência, encetará a sua luta. Mas é uma luta diária, como a de um alcoólico em remissão. O perigo espreita de todos os lados: memórias de sabores, cheiros, imagens. Fará dele, esta confissão de uma fraqueza intrínseca, que combate quotidianamente, um homem menos bom, um vegetariano menos vegetariano?

Sou-o há pouco mais de um ano. Earthlinks foi o filme que me empurrou para uma decisão em que, digamos assim, trabalhava há algum tempo, mas não acreditava ser capaz de pôr repentinamente em prática. Pu-la. A realidade que o filme expunha não me deixava dormir. Obcecava-me. Da confissão de Jon Ronson, sublinharia, hoje, o "falta-me menos do que antecipara". Na verdade, já não me faz falta. Deixou de ser um sacrifício. As alternativas são inúmeras, saborosas, compensadoras. Passei até a cozinhar, coisa que evitara metodicamente e para a qual não sentia a vocação.

Há sempre alguma incompreensão por parte de amigos, sobretudo em almoçaradas ou jantaradas. Olham-me como se eu me tivesse tornado alguém que abdicou de uma parte essencial de prazer e bem-estar na vida. Estão enganados, é claro, mas dá certo trabalho ter de o repetir tantas vezes.

Não faço discursos. Não tenho o objectivo de converter pela palavra, que é, tantas vezes, um instrumento contraproducente. Às vezes é mais simples: uma amiga minha, pelo simples exemplo, " vegetarianizou" dezenas de pessoas à sua volta.

A única evolução será neste sentido, que é o do despertar da consciência e da sensibilidade. Há um argumento que nunca conseguiríamos varrer para debaixo do tapete. É como um nódulo. Ignoramo-lo, mas lá está: o prazer e o luxo da carne no nosso prato significam, necessariamente, o sacrifício atroz de um ser vivo. Pessoalmente, não tenho a menor dúvida de que a civilização humana de séculos por vir, há-de olhar para a alimentação carnívora dos seus antepassados (nós) com o mesmo frémito de horror com que nós olhamos, hoje, para os circos romanos.

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