quarta-feira, 1 de agosto de 2018

ROBLES


A quem interesse esta declaração inicial, sou inocente. Não no sentido em que um juiz me deixaria ir em paz, reconhecendo que o crime não fora cometido por mim, mas na acepção com que uma pessoa muito vivida, bem experiente, lamentaria a minha falta de conhecimento do cinismo ou da hipocrisia. Creio que a expressão deveria ser, pois, sou "um" inocente. Ou seja, um tosco! E, no meu caso particular, nem se trataria tanto de desconhecimento, mas de credulidade. É-me em geral difícil aceitar que os comportamentos A ou B possam ter realmente sido movidos pelas intenções iníquas com que os sábios os explicam.

Não creio que este princípio abone muito a favor da credibilidade da minha análise. Todavia, justifica como, bizarramente, eu creia na boa-fé de Robles. Precisamente porque a minha inocência me colocou, em diversas fases da vida, em trapalhadas que nem bem compreendia, mas a que os outros atribuíam razões maquiavélicas, é que acredito na possibilidade, na mera possibilidade de que, mesmo quando tudo parece apontar para nós irremediavelmente, tenhamos caído naquela situação, suspeita, de boa-fé e sem o menor cálculo.

Sabem por que razão, no entanto, nunca me apanhariam na posição de Robles? Porque não tenho nem terei dinheiro para a aquisição de um prédio. Mas se! Atenção: se dispusesse dessa quantia; se uma irmã minha quisesse vir morar para Portugal e me propusesse a compra, a meias, do imóvel em causa (bem! Porque não de um apartamento ou de uma moradia? Por que razão um prédio inteiro...? Enfim!). Se, depois de realizado o negócio, a minha irmã desistisse, entretanto, de regressar. Se aceitasse então revender o prédio, e o meu advogado de confiança me dissesse: Ó Pacheco, pá, olha que esta zona é muito boa. Vende-se pelo menos por cinco milhões! - eu acredito que, talvez, quem sabe..?

Podia suceder. Improvável, bem sei. Demasiados "ses", cada um mais duvidoso do que o outro. Relendo, com estranheza, o que vim de escrever, quase me apetecia alterar a posição com que arranquei. Superar o in dubio pro reu inicial. Não o faço, porém, porque esta é a parte em que sou menos inocente: aquela em que identifico e desmonto o abuso dos acusadores. Para onde quer que se voltem, por muito que se afine a retórica, trata-se sempre do mesmo: um processo de intenções.

Objectivamente, compra-se um prédio e revende-se o dito por uns quantos milhões a mais. Objectivamente, lembra-se que o homem é vereador (era-o) e que, portanto, estava numa posição que lhe dava conhecimento privilegiado. Costuma acrescentar-se que se trata de um vereador com um suplemento de responsabilidade, em representação de um partido que se assume como campeão de virtudes, e combate furiosamente a especulação imobiliária. Mais um pouco, e também se apontaria o facto de ser jovem e bem-apessoado. Ou seja (e isto é uma falácia a que não resisto): que pareça que um jovem bonito teve um acto de incoerência moral (não legal, porém) é demasiado suculento para que os corruptos do costume, cinicamente, não lhe espetem o dente.

E à parte isto, nada. Nada real, nada palpável. Queria Robles, efectivamente, aproveitar-se da sua situação? Neste "querer", nesta "premeditação", se joga tudo quanto importa.
Lamento que tenha sucedido. Pergunto-me como é possível os outros, que não eu, políticos atentos e experientes, caírem nas mesmas argoladas em que eu cairia. Bem sei que os militantes dos partidos que exigem ética são como a mulher de César: não lhes basta ser sérios; têm de o parecer. E não me esqueço de que Salazar afirmava: em política, o que parece, é. Mas Salazar não foi nenhum modelo. Nem César, já agora. Por mim, recuso os processos de intenção, sobretudo os que liquidam o carácter e a vida pública das pessoas.