domingo, 19 de julho de 2020

A HUMILHAÇÃO PÚBLICA


Não tendo noção da sua própria tolice, o que me parece próprio de qualquer pessoa tola, uma professora de Português, cujo nome esqueci, veio, feliz da vida, responder a umas perguntas do Expresso, no que seria a entrevista da sua vida. Os tais 15 minutinhos de fama a que todos aspiram.

Acontece que, a uma das questões, reagiu com a sinceridade dos inocentes, ou dos incautos, ou dos ignorantes. Foi mais forte do que ela. Como quem não consegue conter um arroto, confessou que adora ter livros, mas nunca gostou de ler; anda, aliás, a esforçar-se para acabar uma obra de Valter Hugo Mãe, odisseia para a qual se concede o Verão .

Não se tem falado de outra coisa. Tomaram-na como a face visível e triste do estado a que a classe docente chegou, entre nós. Da mesma maneira que, antes, se achincalhou a satisfação do grupo de professores que estivera nO Preço Certo, liquida-se agora a senhora que se rebaixou a este deprimente elogio da ignorância.

A mim, para início de conversa, o caso não espanta. Os professores dos primeiros ciclos e do ensino secundário têm sido,  desde há muitos anos e pela mão de sucessivos ministros dos governos dos partidos que já estiveram no poder, reduzidos à indigência e à precariedade. Uma profissão de tal modo sub-proletarizada e desrespeitada já só pode atrair, das duas uma, ou pessoas cuja vocação aceita os mais infamantes sacrifícios, ou pessoas com pouca qualidade e variadíssimas limitações. Do mesmo modo que, numa certa altura, infelizmente! as humanidades se tornaram a área preferida dos estudantes menos rigorosos e menos exigentes consigo mesmos (os que a escolhiam com o fito de escapar à matemática), também "dar aulas" veio sendo o último recurso de quem nada mais sabe ou quer fazer.

No meio de tudo isto, perturba-me que a candura desta professora seja elevada ao lugar de representação do miserabilismo intelectual e cultural da carreira docente. Porquê? Porque é o apontar o dedo a alguém que não é uma persona pública,  mas um indivíduo que se expôs quase por acidente, com um filho pequeno, a que se referiu na entrevista, e uma-mãe-e-um-pai-e-amigos. As redes vão liquidá-la. Vão trucidá-la. E tenho pena, porque por grave que seja o que disse (e é gravíssimo, nada de confusões), ela é mais uma vítima do que de uma culpada.