quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

A TAP: CRÓNICA COM UM PALAVRÃO MERECIDO



Todas as vezes que me lembro de ter recorrido à TAP, me vêm associadas a aventuras aziagas, esperas de horas, inesperadas mudanças de avião porque, afinal, não se conseguia solucionar certo problema daquele em que os passageiros estavam já acondicionados há demasiado tempo.
Quando se fala nos Transportes Aéreos Portugueses, é, ou tem sido, do ponto de vista dos economistas. Uns indivíduos de óculos e pouco cabelo peroram em televisões ou consideram, em jornais, exaustivamente, o tema. Se a empresa é viável, se deve pertencer ao Estado, ou se deveriam privatizá-la. Ora o meu olhar sobre a TAP é, neste momento, de outra ordem. Como consumidor. Como, digamos, utente - ou ex-utente. Na óptica do utilizador, portanto.

Parecerá porventura de uma grande incoerência que um homem de esquerda se atreva a aventurar-se por uma confissão como a que acabarei por vos fazer. Tratando-se de um homem de esquerda de uma certa idade (e não é indesmentível que temos, todos, uma certa idade?), a incoerência detectada enunciar-se-ia desta forma penalizada: «O gajo está gagá!»; mas eis, ainda assim, a confissão: quando eu era criança, em tempos de salazarismo e marcelismo, a TAP fazia-me voar a imaginação e os sonhos. Observava aqueles viajantes, familiares ou amigos, a percorrer os últimos metros até ao avião, levando a tiracolo um saco branco (com o logotipo da transportadora, a vermelho e verde), acenando-me já ao longe, e invejava-os com força. Contavam-me, depois, histórias do conforto no ar, da simpatia das hospedeiras, a que chamávamos aeromoças, e de uma refeição requintada.

Fiz a minha primeira viagem de avião, já com 18 ou 19 anos, na qualidade de retornado. Ou filho de retornados, uma vez que, no que me diz respeito, nascera em Moçambique e não "retornava" propriamente a lugar algum. Era a primeira e foi a última vez que a TAP esteve à altura das minhas expectativas. O sonho realizava-se. Voei, bem tratado, mimado, naquela subtil vertigem entre o desejo e o receio, fitando, pela janela, Lourenço Marques a diminuir depressa, as nuvens flutuando imovelmente e, por fim, a cidade de Lisboa aumentando.

De aí em diante, sempre que voltava a apostar na TAP, saía frustrado ou indignado. A ambição de voar tornava-se uma folha amachucada. Era mau. As refeições passavam a uns amendoins insípidos, ou a umas sandes inapetecíveis, com um sumito breve. Em alguns casos, nem tanto. Os atrasos eram constantes e inconcebíveis. A ponto de, a partir de certo momento, me ter jurado: TAP nunca mais! Falhei, contudo, no compromisso comigo, dando entretanto ouvidos à funcionária de uma agência de viagens, que me garantia que a coisa já fora, de facto, como eu lamentava, mas transformara-se, e substancialmente: tínhamos de novo a companhia de outros tempos. Relatava-me as suas próprias experiências de viajante da TAP, magnificamente bem-sucedidas. 

Acatei; tive um episódio de fé, gritei Aleluia! e rendi-me. Dificilmente poderia ter sido pior. À ida e à vinda, tudo, e tudo foi tanta coisa, se resume a estas duas palavras: incompetência e antipatia. E, já agora, mais uma: desconsideração.

A TAP é uma merda. Ou, para não ser deselegante: uma senhora merda.