sábado, 19 de maio de 2018

ELOGIO (COMEDIDO) A BRUNO DE CARVALHO


De mim foi sendo formado, desde criança e por tradição familiar, um vivo e vibrante simpatizante do Sporting. Sou, evidentemente, um vago sportinguista; nanja um fanático: não me associei, não vou a jogos, não sofro de ataques cardíacos por causa de uma derrota do clube.

Sempre considerei Bruno de Carvalho (e Jorge Jesus também) duas nódoas no Sporting. Sobretudo o primeiro: o estilo truculento, o egocentrismo hiperbólico, as suspeitas, que de há muito e persistentemente o acompanham, de que faria circular dinheiro sujo (mesmo que não se justificassem, torná-lo-iam  sempre uma companhia a evitar, hélàs!), mostram o Presidente do SCP como um homem explosivo e conflituoso, que contribuiu (aliás juntamente com os outros dirigentes dos principais clubes de futebol português), para que o futebol piorasse muito como palco de guerras santas insanas, corrupções, difamações, infâmias várias. Ou seja: sou absolutamente insuspeito de simpatia por Bruno de Carvalho.

Isto dito, porém, ouvindo-o na sua conferência de imprensa (e trato de descontar tudo quanto nas suas palavras revela manipulação e demagogia), tomo consciência de que, de facto, em torno de si se orquestrou uma campanha miserável. Oh, não, não sou ingénuo. É BC que me recorda com justeza como antigos amigos e inimigos de sempre se unem, indiferentes à verdade dos factos, para o responsabilizar pelo assalto à Academia de Alcochete. Foco-me nesta acusação. Tocou-me, confesso, o modo como sublinhou que, na altura em que (segundo as acusações) estaria reunido com cabecilhas dos energúmenos "para dar o aval à invasão", as suas preocupações eram bem de outra índole: saber se a filha sobreviveria a uma intervenção. Não estou a ser irónico. Sensibilizou-me. Eu sei, eu sei, eu sei. Dir-me-ão, com certo cinismo: "É de fazer chorar as pedras da calçada!" Dir-me-ão, sem dúvida: "Separemos, das questões pessoais, a substância da acusação; evitemos amalgamar, pois na amálgama principia precisamente o uso demagógico dos sentimentos." O ad misericordiam.
Não estou de acordo.
Neste caso, uma vez que tantos ataques se desencadearam contra a pessoa, parece-me importante ter presente que estwmos a falar, pois, de um homem: não se visou apenas o Presidente, mas o sujeito, não apenas a gestão do cargo, mas a honorabilidade da pessoa. Acredito que um homem que vive um tempo de aflição pela vida da sua filha não pode ser, no momento em que se consome com esta preocupação, o maquinador, o maquiavélico mandante de um acto criminoso contra os seus próprios jogadores. Custa-me a crer. Nem Bruno de Carvalho seria tão frio.

Mas não só isso. Assisti, depois da conferência, aos comentários dos jornalistas televisivos. Verifiquei que as interpretações já falseavam o que BC tinha realmente dito, ou lhe deturpavam provavelmente a intenção. O que me faz pensar que o homem tem razão quando fala de campanha. Há uma deturpação sistemática das suas palavras. Sei do que falo. Segui essa refracção sofrida pelo que foi dito pelo Presidente, sob efeito do líquido em que o mergulharam os comentadores. Na CMTV, alguém se insurgia pelo facto de Bruno de Carvalho decidir não estar presente no Jamor. E alegava-se, hipócrita e falaciosamente: "Quem não deve, não teme" - esquecendo com uma conveniente precipitação que, quando se pensava que o homem, na sua usual obstinação, não deixaria de ir, era praticamente unânime que não deveria fazê-lo. E apesar de o próprio haver esclarecido que optava pela ausência contra vontade, para evitar embaraços aos órgãos de soberania. O que se compreende, atendendo às palavras de Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja: preso por ter cão, preso por não ter.

Finalmente, criticava-se agudamente o facto de, na conferência, Bruno de Carvalho ter "disparado em todas as direcções",  apontando o dedo a Patrício e, portanto, comprometendo, uma vez mais, a tranquilidade psicológica dos jogadores na véspera de um jogo decisivo. Eu não vi apontar o dedo a Rui Patrício: vi lembrar que a origem do confronto em Alcochete fora uma "rixa" entre alguns jogadores, entre os quais Patrício, e elementos da claque, furibundos por que o Sporting tivesse perdido o jogo que lhe garantiria o 2° lugar. E pelo contrário, Bruno de Carvalho mostrou compreensão pela reacção do guarda-redes, embora não esquecesse também o perigo da sua atitude e falta de noção das proporções do que inadvertidamente iniciara. Foi uma explicação, não uma acusação.

Alguma das minhas palavras revela que eu tenha passado a gostar de Bruno de Carvalho? De modo nenhum. O seu estilo é um cancro no futebol. Como o de Vieira ou de Pinto da Costa. O ordenado que se auto-propôs é absolutamente escandaloso. A prazo, a sua gestão foi terrível. O Sporting merece mais, merece muito melhor. Ainda assim: tenho poucas dúvidas de que essa vergonha do jornalismo que é o Correio da Manhã, mais o seu CMTV, e pasquins afins, em colaboração, pelo menos objectiva, com pessoas a quem o Presidente do Sporting, no seu tom arruaceiro, tem feito mossa, construíram uma teia de ataque sistemático à pessoa, pelos meios mais sórdidos e infames. O homem é mau e prestou um mau serviço ao clube. É louco e arrogante. Mas não está provado que seja um criminoso, a não ser nas páginas dos jornais e nas bocas dos comentadores televisivos e dos conversadores de café.

domingo, 13 de maio de 2018

SOBRE O FESTIVAL DA CANÇÃO 2018


Primeiro ponto: insurgem-se, os habituais detractores, contra o que lhes pareceu um regresso de Portugal ao passado triste, com a exaltação do futebol, de Fátima e seus peregrinos, da Eurovisão e, portanto, do fado, se atendermos ao humilhante último lugar como o retorno ao fado do português-perdedor.
Sucede que a Eurovisão não se reduz ao passado. É uma noite de disputa entre canções de muitos países, que leva espectadores de toda a Europa a sentarem-se diante dos seus televisores, ouvindo falar, nem que brevemente, acerca dos seus vizinhos geográficos, e comparando apresentações que, se não reflectem a cultura de cada país (eu sei, eu sei: quase todas em inglês, e segundo um modelo melódico mui "mainstream"), representam o gosto de uma maioria de pessoas nesse país. Mais: para Portugal, que recebeu em casa o espectáculo, e o preparou, foi a oportunidade de abrir as portas a turistas ansiosos, e de mostrar que tem pessoas experientes, conhecedoras, competentes, engenhosas, capazes de montar um evento televisivo de nível internacional.

Segundo ponto: termos ficado em último lugar foi um embaraço com que não vale a pena gastar mais latim. Nunca dei um chavo por esta cançoneta. Mas a verdade é que também, o ano passado, o Salvador me parecia um medíocre (às vezes continua a parecer-me), e no entanto conseguiu uma vitória absolutamente arrebatadora. Passemos adiante.

Terceiro ponto: a canção que venceu, o Toy, da Netta, carrega um equívoco que tem criado raízes. Não podemos gostar todos das mesmas coisas. Admitamo-lo tranquilamente. Mas aquilo que na canção a tornou vencedora, não tem que ver com a sua "diferença". Ou seja, nunca foi o facto de ser cantada por uma mulher que escapa aos padrões, como a própria assinala insistentemente. O que marcou não se deveu em nada ao carácter de cisne negro da mensagem, ou de patinho feio da cançonetista. Bem pelo contrário: triunfou por ser a mais comum e a mais kitsch; triunfou o tom popularucho e fácil, que em Portugal se chama pimba, o mau-gosto na roupa de Netta, nos trejeitos exagerados, na coreografia e na música. Não podemos gostar todos do mesmo. Mas somos capazes de perceber quando se nivela por baixo. E de que, sob a falsa capa da "diferença", assistimos ao triunfo do um-dó-li-tá.