domingo, 13 de maio de 2018

SOBRE O FESTIVAL DA CANÇÃO 2018


Primeiro ponto: insurgem-se, os habituais detractores, contra o que lhes pareceu um regresso de Portugal ao passado triste, com a exaltação do futebol, de Fátima e seus peregrinos, da Eurovisão e, portanto, do fado, se atendermos ao humilhante último lugar como o retorno ao fado do português-perdedor.
Sucede que a Eurovisão não se reduz ao passado. É uma noite de disputa entre canções de muitos países, que leva espectadores de toda a Europa a sentarem-se diante dos seus televisores, ouvindo falar, nem que brevemente, acerca dos seus vizinhos geográficos, e comparando apresentações que, se não reflectem a cultura de cada país (eu sei, eu sei: quase todas em inglês, e segundo um modelo melódico mui "mainstream"), representam o gosto de uma maioria de pessoas nesse país. Mais: para Portugal, que recebeu em casa o espectáculo, e o preparou, foi a oportunidade de abrir as portas a turistas ansiosos, e de mostrar que tem pessoas experientes, conhecedoras, competentes, engenhosas, capazes de montar um evento televisivo de nível internacional.

Segundo ponto: termos ficado em último lugar foi um embaraço com que não vale a pena gastar mais latim. Nunca dei um chavo por esta cançoneta. Mas a verdade é que também, o ano passado, o Salvador me parecia um medíocre (às vezes continua a parecer-me), e no entanto conseguiu uma vitória absolutamente arrebatadora. Passemos adiante.

Terceiro ponto: a canção que venceu, o Toy, da Netta, carrega um equívoco que tem criado raízes. Não podemos gostar todos das mesmas coisas. Admitamo-lo tranquilamente. Mas aquilo que na canção a tornou vencedora, não tem que ver com a sua "diferença". Ou seja, nunca foi o facto de ser cantada por uma mulher que escapa aos padrões, como a própria assinala insistentemente. O que marcou não se deveu em nada ao carácter de cisne negro da mensagem, ou de patinho feio da cançonetista. Bem pelo contrário: triunfou por ser a mais comum e a mais kitsch; triunfou o tom popularucho e fácil, que em Portugal se chama pimba, o mau-gosto na roupa de Netta, nos trejeitos exagerados, na coreografia e na música. Não podemos gostar todos do mesmo. Mas somos capazes de perceber quando se nivela por baixo. E de que, sob a falsa capa da "diferença", assistimos ao triunfo do um-dó-li-tá.

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