quarta-feira, 29 de setembro de 2021

DA OBRA FEITA

 

É significativo que Carlos Carreiras espalhe, após as eleições de que saiu vitorioso, gigantescos cartazes onde agradece o favor de o terem guindado de novo ao poder. Aí estão, por todo os recantos do Concelho: «Obrigado Cascais». Começo por aí, visto que agradecer, efusivamente, o resultado de umas eleições em que mais de 50% dos eleitores preferiu não aparecer é, julgo eu, um sinal claro, uma indicação do pouco valor que se dá ao espírito da democracia. Não ponho em causa os resultados. Não contesto a vitória. Os votantes não vieram, viessem. Não se discute, no resultado, a forma da democracia. Mas ter o topete de agradecer a «Cascais» os votos de menos de metade das pessoas, soa mal. Hesito entre classificar este «obrigado» como manipulação ou simplesmente falta de noção.


Porém, o ponto continua a ser a razão por que esses quantos eleitores escolheram Carreiras.

Continua a afirmar-se, tenho ouvido, que há «obra feita»: "Não quero saber de mais nada. Pelo menos, o homem tem obra." Acontece que «obra» é um dos termos mais abrangentes e mais ambíguos que poderíamos imaginar. Obra feita!? Cruzes! Por um lado, é simples agradar aos mais idosos com vacinas para todos, ou com a possibilidade de se ir a casa vacinar a pessoa que não pode deslocar-se; ou acenar com máscaras gratuitas, não interessando ao potencial eleitor como são elas conseguidas. Isto é «obra». Mas a edificação, os prédios, o betão são o que, por maioria de razão, nos parecem obra. As pessoas apreciam, os turistas agradecem.


E esta «obra» vai-se precipitando sem atender a que Cascais valia por uma beleza e por um conforto naturais, sem sufocos nem devastação. Esta obra vai-se precipitando sem atender a que Cascais foi sempre uma cidade moderna, sim, mas com espaços largos e intocáveis de praia e de flora e fauna únicas. Ensinar a estas pessoas, com euros a brilhar nos olhos, que mandam construir desenfreadamente, em nome da habitação, do emprego e do turismo, que destruir um espaço antigo de arvoredo não é compensado por se estender, ao lado dos novos prédios, a romper por todo o lado, uns tapetes de relva com umas quantas árvores novas, é trabalho perdido. Ensinar-lhes que construir junto ao mar terá custos ecológicos que os nossos descendentes irão pagar muito caro, é inútil. Porque do mesmo modo que lhes falta o sentido da história, falta-lhes completamente um autêntico sentido do futuro. Das consequências que a longo prazo advirão da sua obra. Falta-lhes de todo a cultura, o conhecimento, a visão. Já para não falar da estética - mas parece que a muitos agrada ver transformar-se Cascais numa Nova Iorque em miniatura. 

Muitos movimentos de cidadãos, desprezados por Carreiras, apodados por ele de criptocomunistas ou hippies, constituem uma última resistência contra a megalomania:  SOS Quinta dos Ingleses e Fórum por Carcavelos, SOS Parque Natural Sintra-Cascais, a Associação de Moradores da Penha Longa,  a ADA – Associação de Defesa da Aldeia de Juso, os Amigos do Parque das Gerações, os de Birre (GEC), a Associação de Moradores da Areia, a Cascaisea, SOS Costa da Guia, Diz Não ao Alargamento do Aeródromo de Tires. Irá um poder absoluto, intransigente, arrogante e surdo escutar as suas razões?

"Obrigado Cascais"? Por nada, por nada.