quinta-feira, 17 de agosto de 2017

HACKERS E MULHERES


Embora me desagradem os hackers (sendo desagrado, aqui, um eufemismo para ódio), não posso evitar uma quase religiosa admiração pela sua inteligência. Tanto talento desperdiçado em gente tão maldosa e desprezível. Imagino-os doentios, magros e de ombros estreitos, a barba por fazer, o cabelo a falhar em várias áreas do crânio, uma barriga proeminente, das pizzas e da cerveja que os alimentam, sob uma t-shirt com um logotipo. E nenhuma ética! Estes, que imagino, não usam as suas competências para as causas meritórias, para denunciar os crimes do Estado ou dos banqueiros: esses são outros. Estes são os que empregam os cérebros geniais para furtar dados de anónimos honestos, furar a privacidade de gente como eu, enganar cidadãos que usam a internet sem pretensões, sacar dinheiro, sempre que possível, aos simples e aos bem-intencionados.

A mim, enganam-me continuamente, os filhos de uma coisa. Recebo um e-mail "inocente" e respondo-lhes, ou uma informação em nome do meu Banco, e tendo a seguir as instruções, ou um telefonema de um número desconhecido, e atendo, ignorando que, algures na Polónia, me vão clonar o cartão. Alguns dos golpes parecem bizarros, e são prontamente desmentidos por quem sabe do assunto. Outros, que eu trataria como rumores, são confirmados pelos peritos. Ou seja, as histórias multiplicam-se, numa espécie de mundo mitológico, em que o leigo que eu sou se tornou incapaz de dissociar o verdadeiro e o falso, distinguir o factual e o impossível. Sou a vítima perfeita e reincidente.

Recorro a amigos que me ajudam e aconselham. «Elimina isto». «Não ligues àquilo». Entram nas minhas páginas, no meu mail, no meu Facebook, como anjos da guarda, para desfazer as armadilhas em que me deixei enredar. A minha perversa admiração por esta gente infame é apenas técnica. É, digamos assim, a admiração de um cérebro mortal, inocente, impreparado e, por que não dizê-lo? estúpido, pelos cérebros demoníacos, viciosos, astutos e rápidos.

Sou, provavelmente, eu próprio, quem se enganou de mundo. Não pela minha ética, nada disso! mas pela minha impreparação. Não compreendo a linguagem que os hackers dominam - por isso nunca conseguirei reagir-lhes eficazmente e hei-de estar sempre um passo atrasado -, da mesma maneira que não consigo decifrar as mulheres, ou, pelo menos, uma certa linguagem, ou um código vagamente subentendido no modo como os homens se relacionam com elas.

Porque há um código. Porque há, num caso como noutro, um entendimento implícito. Olhares, gestos, palavras que significam outra coisa. E, num caso como noutro, me passam ao lado.

Há muitos anos, muitos mesmo, uma jovem colega falava da casa que acabara de comprar. Estava maravilhada e orgulhosa. Queria que eu a visitasse. Convidou-me, portanto, para jantarmos em sua casa. Não era uma amiga de longa data: apenas uma jovem colega, como a classifiquei, amiga recente com quem eu gostava de conversar. O ponto é que aceitei. Ou melhor, o ponto é que aceitei literalmente o convite: jantar, como pretexto para conhecer a sua nova casa.

Nada mais do que isso aconteceu. Foi um jantar animado, em que comi não me lembro que prato que ela confeccionara, lhe elogiei a casa, vimos o telejornal e me vim embora. Sem a menor tensão ou suspeita de estar a falhar relativamente a expectativas de outra ordem.

Só anos mais tarde, quando contei esta história a um amigo, este me explicou, convictamente: «Uma mulher que convida um homem para ir jantar, sozinho, a sua casa, nunca o faz sem uma segunda intenção.»
E eu: «Mas pode não ser. Imagina que, simplesmente, se confia na outra pessoa e, de facto, se tem gosto em que um colega conheça a casa nova.»
O meu amigo fitou-me, em silêncio, durante bastante tempo. Talvez com piedade.

Ele poderia ter ou poderia não ter razão.

Certo é que essa colega passou a tratar-me friamente. Até que deixou praticamente de me falar. Nunca mais nos vimos.
Seria por não lhe ter dito, as vezes suficientes, que tinha realmente uma linda casa nova?

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