domingo, 20 de agosto de 2017

LER QUANDO O TEMPO NÃO SOBRA


O que quer que se faça para próprio prazer e requeira tempo é uma espécie de prodígio. As pessoas miram-me com susto, quando lhes falo de livros que venho lendo, ou de romances que estou a escrever. O drama é sempre o tempo. Na verdade, para essas pessoas, o drama parece ser o meu tempo - isto é, que eu disponha de algum para essas coisas. Como se algo não estivesse bem comigo. Nunca chego a sentir-me propriamente um criminoso ou um pecador. Mas um preguiçoso, sem dúvida. Alguém que se dá ao luxo de ler ou escrever, enquanto os outros trabalham.

Evidentemente, não é verdade. Uma mãe adorável, que, aos 94 anos, me pede alguma atenção, ou dois filhos com 10 anos de diferença entre si, são, em conjunto, amorosos e exigentes sistemas de necessidades, sem botão que os desligue quando faria falta uma pausa.

O meu trabalho ocupa-me manhãs e tardes. Diria que, ter de o cumprir numa escola, compensadora em muitos aspectos, mas que funciona como uma geringonça, multiplica aleatoriamente as tarefas e torna qualquer possibilidade de realizá-las uma epopeia. Não senhor. Não podem acusar-me de passar os dias sentado.

Talvez as minhas prioridades sejam invulgares. Leio sempre que posso, ou seja, literalmente nos momentos mais imprevisíveis e absurdos e em todo o lado: na casa de banho, no automóvel (estacionado), em casa de minha mãe, nos intervalos da escola. No quarto, pela noite fora. Ou na cozinha.

Não sacrifico nada. Nem as minhas séries de tv, que sigo como um beato, nem as conversas com os amigos, quando tenho oportunidade. Não leio em vez de outras coisas. Faço coisas que devo fazer. Às vezes, infelizmente, faço coisas que não devia fazer, como todos. E faço coisas que me dão prazer. Entre as quais, ler e escrever.

Não tenho tempo a mais. Apenas sei que o que tem de ser feito, tem de ser feito. O tempo que se ajeite.

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