quinta-feira, 10 de agosto de 2017

DEUS


Pelo amor de Deus, nunca se entreguem a debates filosóficos com bêbados. Eles adoram. Mas, se ainda não sofreram essa experiência, oiçam: evitem-na. Nem é tanto porque, cedo ou tarde, a discussão há-de ser desagradavelmente interrompida, no momento em que vos vomitem sobre os sapatos de camurça. O pior são mesmo os argumentos. A fragilidade, que é um eufemismo para a idiotice daqueles. E a inutilidade de toda a empresa. A desesperante inutilidade do vosso esforço.

A última vez que fui caçado nessa armadilha o tema era a existência de Deus. O bêbado, ziguezagueando, exaltadíssimo, pela rua, garantia-me que não há Deus. E se houvesse, teria de ser um filho da (piiiii)! Gritava-o, infelizmente, no instantezinho em que alguns rostos espreitavam à janela, para averiguar do estardalhaço.

Falava-me, é claro, das crianças que morrem à fome. "Mas as crianças, Senhor?!", já o poeta se indignava. Que Deus cria um mundo em que os seres humanos não têm as mesmas oportunidades?!

O segundo argumento seria digno de um Malaca Casteleiro. Tanto que ele orara para passar no exame de condução e, afinal, foi ribombantemente chumbado. Não se debruçou sobre o motivo do chumbo. Não devia ser um tema tão filosófico.

Não tenho a melhor das relações com Deus. Em última análise, a ideia de uma divindade pessoal, dotada de super-conhecimento, super-vontade e super-poderes, soa-me tão mitológica, pueril e implausível como a de Zeus, Thor ou o Surfista Prateado. E concordo que, a existir, nos deveria algumas explicações.

Seja como for, recuso-me a fazer de qualquer divindade o Bode Expiatório das culpas humanas, dos grandes crimes cometido pelos homens, ou por eles consentidos, no exercício da sua liberdade.

Sendo que, haver, sequer, uma moral, uma noção do Mal e do Bem, se justifica, em grande medida, pela crença em deuses que recompensariam ou puniriam actos. Podemos não acreditar em Deus, ou não acreditar totalmente, duvidando mas admitindo a hipótese, como bons agnósticos, sem termos de ser falaciosos.

Não concluí, porém, estas objecções. Tinha de ir limpar os meus sapatos de camurça.


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