quarta-feira, 23 de agosto de 2017

MÃE


Louis C. K., um stand-up comedian, ou, em português, um cómico de palco, com um humor a rasar o obsceno e o ofensivo, que, num país como os EUA, tem um efeito colateral e surpreendentemente salutar, refere, no seu cinismo, um episódio a que não resisto.

Depois de um desafio de football americano, um jovem atleta, responsável por um excelentíssimo desempenho, o qual dera a vitória improvável à sua equipa, foi entrevistado para uma estação de rádio, e disse, comovido: "A minha mãe morreu este ano". Pausa. "Porém, sei que, no céu, ela viu o jogo. Sinto-me feliz!"

Louis C. K. mostrava-se furibundo. Nem na morte a mãe poderia descansar?! Terá de se preocupar com os actos do filho para sempre?  Vigiar, ajudar, ralhar, elogiar, acompanhar? Imaginava um bando de anjos convidando-a para uma festa de anjos, e a senhora a dispensá-los, com um ar macambúnzio: "Não posso, desculpem. Tenho de ficar a ver o jogo do meu filho."

L. C. K. tem uma certa, sarcástica, terrível razão. A ideia de que os filhos são criados ao longo da infância, adolescência, juventude, isto é, tornados iguais a nós (felizmente sem sucesso), entre crises e recompensas, para, uma vez adultos, partirem em direcção ao nascer do sol, abandonando-nos com uma lágrima e uma culpabilizante sensação de alívio, ou de Missão Comprida, perdão, cumprida! é um mito que a prática se encarrega de amarfanhar. Os filhos não partem. A sua vida nunca deixará de nos dizer respeito. Uma espécie de ligação umbilical fará que se lembrem logo e sempre de nós quando lhes ocorra a pergunta: Com quem hei-de deixar esta noite os miúdos, ou este fim-de-semana, ou estas férias?

Infelizmente (e isto arruinaria a piada de Louis), o contrário também se verifica; digo "infelizmente" porque a dependência é sempre infeliz: pais que, vivendo muitos anos, a partir de certo momento, inevitavelmente entre achaques e medicamentos, se tornam como filhos dos filhos. E igualmente aí se intui a qualidade do cordão umbilical. Uns, aturam-nos, gratos e deprimidos. Outros, internam-nos ou viram costas.

Uma mãe ou um pai são mais do que três letrinhas. São laços para a vida; para a vida e - L. C. K. tem razão - para a morte.

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