Há momentos em que, só retrocedendo, um povo pode evoluir.
Os argumentos do desacordo em relação ao Acordo Ortográfico têm sido apresentados ao longo dos últimos anos. Não valeria, possivelmente, a pena sumariá-los. Desde a evidência de que nada justifica a ambição da uniformidade da escrita lusófona, até à de que o AO nem ao menos a concretizou (tendo criado, pelo contrário, mais ruidosas e risíveis divergências); desde a evidência de que a oralidade se tem ressentido desta nova maneira de escrever, ao originar confusões de pronúncia que não existiam, até à de que, por isso, assistimos ao espectáculo de toda uma geração que desaprende a dizer certas palavras; desde a evidência de que esta razia produziu absurdas homonomias, até à de que foram estabelecidas regras que se aplicam num caso, mas, sabe-se lá porquê, não em outro - enfim, não vos maço mais: as razões para a contestação são fundamentadas.Pelo contrário, a favor do AO não tenho deparado senão com argumentos indigentes. Faz-se muito a analogia entre o contexto deste Acordo e o do anterior, para lembrar que, então, também houve Velhos do Restelo (como se isso fosse, por si só, uma resposta a qualquer dos argumentos invocados); ou fala-se da questão, associando-a a um combate travado entre o progresso e a reacção: como se o «novo», simplesmente pelo seu estatuto de novo, tivesse de ser o rosto do futuro; como se o «novo», por ser novo, significasse necessariamente progresso; como se o novo não pudesse ser estúpido; como se o novo não constituísse, por vezes, o pior dos retrocessos.
Ou então fala-se das vantagens do AO para que o português de Portugal não seja, internacionalmente, ultrapassado pelo grande fluxo do português do Brasil. Responderia a esta objecção, recordando que a clivagem entre a escrita dos portugueses e a dos brasileiros se agravou ainda, caso um acesso de hilaridade me não obrigasse a parar por um momento a redacção desta crónica.
Olhando para o monumental desfasamento entre o punhadinho de raciocínios pífios para defender um Acordo construído no laboratório do Dr. Frankenstein e uma inteligente bateria de razões desacordistas, incontornáveis, pergunto-me, às vezes, por que diacho se não repensou ainda a situação, se não estudou uma digna marcha-atrás, se não reabre, ao menos, o debate. Claramente: este é um dos casos em que os argumentos não fazem a menor diferença. Não acredito que alguma demonstração demovesse o governo. Este ou outro. O que quer que o mantenha imóvel, impotente, teimoso ou distraído, nada tem que ver com a razão, as razões ou a ausência delas. Seja a vergonha de assumir a culpa, seja a insensibilidade ao valor da própria língua, seja algum outro inescrutável interesse. A sensatez dificilmente seria, aqui, reposta pela mão do poder.
Continuemos, pois, a fazer ouvir a consoante muda da nossa acção.
O autor não escreve segundo as normas do Acordo Ortográfico
Excelente texto.
ResponderEliminarObrigada, José Pacheco.
Permita-me publicá-lo no meu Blog.
Muito obrigado, Isabel Ferreira. Com todo o gosto, naturalmente.
EliminarÉ bem verdade e... uma triste realidade o que se passa com a ORTOGRAFIA LUSÓFONA. Não há dúvida de que é necessário retroceder para evoluirmos!
ResponderEliminarcompletamente de acordo! ja tarda um volta atrás! para quando será?
ResponderEliminarMuito bem, tudo dito.
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