sábado, 2 de setembro de 2017

YOUTUBERS


A reboque de pioneiros na discussão deste tema, como Nuno Markl, que lhe dedica uma crónica muito bem esgalhada, sob a forma da carta de um pai preocupado com o que o filho segue na net, deixem-me pegar hoje, também eu, na questão dos YouTubers.

Os adolescentes e os pré-adolescentes estão completamente vidrados nestes jovens trintões que fizeram do uso do YouTube a sua profissão. Em primeiro lugar, o conceito nada tem, em si mesmo, de arrepiante ou maligno. Pessoas que vêem nos YouTubers um bando de tipos frívolos e sem um autêntico trabalho são pessoas com um preconceito similar aos dos nossos avós, quando diziam que ser-se actor ou pintor era preferir, a um emprego sério e estável, o mundo da decadência moral e social. Markl lembra-nos isso nesmo, aliás. O irresistível fascínio que mostra, sob a crítica construtiva e ingénua que lhes dirige, é o de alguém que gostaria de haver tido, no seu tempo, a possibilidade de recorrer a esse poderoso instrumento. Os YouTubers não são tipos frívolos sem um trabalho sério, são tipos frívolos com uma cena que devemos levar a sério.

O problema é, pois, o da linguagem. Eventualmente, o da visão do mundo subjacente ao tipo de humor praticado, sobretudo porque quem os segue são os miúdos mais novos, logo desde os 8 ou 9 anos.

A questão é que nem a banalização desta linguagem nem a deste humor são uma invenção dos YouTubers. Para sermos rigorosos, tais formas já nos tinham entrado na própria televisão, há muitos anos, pela mão de Teresa Guilherme. Os Big Brothers, as Casas dos Segredos ou esta outra casa que agora aí está, com os seus energúmenos despidos de igual, os seus cortes de cabelo iguais, as suas tatuagens e piercings, os seus amores e desamores, os seus palavrões 24 horas por dia, constituem o verdadeiro modelo de todos estes avatares.

O óbvio relaxamento dos costumes, que sempre fez parte de uma certa esfera e de uma certa fase da vida dos jovens (na universidade, entre bebedeiras e cenas tristes, ou na tropa) tornou-se "normal" a partir do momento em que a televisão lhe abriu as portas. Tornou-se aceitável, na mente dos jovens, desde que a tv mostrou o primeiro grunho a dizer "f...-se!" ou "vai pó c...!", em horário nobre.

O Facebook, o YouTube, o Tweeter, ou quaisquer que sejam os instrumentos das redes sociais, amplificam esta legitimação que fora feita pela tv. E como estes meios representam, hoje, o habitat natural de todos os jovens, expandiram-se uma linguagem, um humor, uma visão, uma subcultura (de que faz parte uma submoral), que não só lhes devieram familiares, como, insisto, normais: formam verdadeiramente o seu modo de estar, com uma força e uma abrangência que dificilmente poderemos deter ou inverter.

Curtir Quim Barreiros, cultivar o bullying como uma forma de humor ou de expressão da raiva, arrasar um hotel numa divertida viagem de finalistas a Espanha, não ver nada de profundamente errado numa cena de violação de uma caloira, num autocarro, fazem parte da mesma subcultura. Os jovens sempre passaram por experiências análogas. Eram ilhas no tempo e no espaço. A rede, hoje, tornou-os na totalidade da sua experiência. Modelo de relação e comunicação. A rede fez do seu mundo um campus. A rede fez do seu mundo uma caserna.

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