sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A CRÓNICA



Nunca tinha escrito crónicas, embora sempre as lesse com gosto. Trata-se de, no fluxo do tempo, cristalizar um instante. Não para a posteridade (embora algumas crónicas a merecessem). Pelo contrário: elabora-se tão-só um registo que possamos ler, gozar e esquecer, porque a sua substância deve ser a do próprio tempo, na sua volatilidade, na sua leveza, no seu desenraizamento.

O parágrafo anterior não diminui a crónica. Nada do que escrevi pode ser lido como um atestado de menoridade. Ela é uma forma muito específica e complexa, para a qual nem todos terão talento, começando, provavelmente (que é o meu eufemismo preferido para: "de certeza") por mim próprio.

O cronista saltita de uma ideia política, num texto, para uma sobre futebol, em outro. De uma emoção para uma teoria. De uma indignação para um fascínio. Fala de um livro que leu ou de um filme que viu. De filosofia ou de memórias de infância. O que quer que, num momento, possa formar uma certa figura passageira, sob o brilho do sol, constituirá o seu registo do momento. Não é maravilhoso? Como numa mandala,  o empenhamento criativo e estético fará nascer qualquer coisa, que, depois, deliberadamente, será soprada e desaparecerá.

Na língua portuguesa se exprimem alguns dos cronistas que mais admiro, o que é um eufemismo, desta vez para: invejo. Luís Fernando Veríssimo e Ricardo Araújo Pereira fizeram do humor na crónica uma arte suprema. António Manuel Pina era de uma singeleza difícil de atingir. De outros, tendi a afastar-me, por injustas e variadas razões: António Lobo Antunes foi encantador, mas deveio, de semana para semana, monotonamente igual a si próprio.

Lia João Pereira Coutinho, cujos textos me entusiasmavam por serem os de um conservador culto e inteligente, com quem me agradava discutir mentalmente e de quem podia discordar para além do território estrito das ideias pré-fabricadas. Ainda o espreito, apesar de um certo snobismo intelectual acabar por se tornar fatigante.

O meu predilecto há-de ser eternamente, nesta fugaz eternidade que corresponde ao espírito da crónica, Miguel Esteves Cardoso. Uma amiga dizia-me, há tempo, que, em certas crónicas, MEC parece estar unicamente a encher papel, sem ter nada para dizer.
Não é "encher papel". É apenas o segredo da leveza. Até o insignificante pode valer umas linhas: passei por aqui quando pensava ou sentia isto. A brevidade tem a sua própria beleza.

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