quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O ÚNICO VERDADEIRO PROGRESSO



Há duas coisas em que a idade realmente não perdoa. Uma é, nos homens, a dramática escassez de cabelo no cucuruto. Outra é a radical transformação da potência da vista. Se em jovens tendíamos a ser verdadeiros super-heróis, dotados quase de visão de raio-x, a partir de um certo número de anos os olhos, de diversas maneiras, começam a ganhar preguiças que não dão jeito.

Parece, aliás, que, mercê do abuso de aplicação da vista nos écrãs dos pc e dos telemóveis, a idade em que os olhos desatam a pregar partidas de mau-gosto é cada vez menor. Meu filho descobre, aos vinte e pico, que a sua visão «já não é o que era», embora parte do problema dele seja certamente ter herdado alguns dos meus genes-toupeira. No seu caso, terá sido a dificuldade desses genes em ver o caminho, que fez, até, que chegassem tão tarde. Mas esqueçamos, então, o rapaz: tenho tantas amigas que confiavam plenamente na sua acuidade visual e, cada vez mais, dependem de uns óculos que lhes desfiguram o rosto. Já não são quem eram. E não.

Em mim, o que mudou foi que, quando usava óculos, via bem. Ao menos isso. A minha miopia assentara, mal lhe prestava atenção. Era um caixa-de-óculos tranquilo.
Porém, com estes «auxiliares visuais», como me dizia um barbeiro, os quais, sendo para ver ao longe, não interferiam no entanto na visão de proximidade, vem acontecendo há algum tempo que já não consigo ver correctamente ao pé. Ponho-os para perceber quem me chama, ao fundo de uma sala. Mas tenho de os tirar para ler um sms no telemóvel. É desconcertante. E pouco prático.

Sempre que tenho de dar aulas com óculos, recordo-me de uma imitação hilariante que, há muitos & muitos anos, um jovem professor meu, de Física, fazia de um seu colega que conhecíamos todos demasiado bem. Esse infeliz homem precisava de dois pares de óculos. Um para perto, outro para o longe. Punha o primeiro para ler o nome do aluno, ao fazer a chamada. O aluno respondia, de um vago ponto na sala, «presente». O homem olhava-o ainda com os óculos de ler. Tinha um estremecimento de surpresa. Trocava-os. Vislumbrava o aluno. Voltava para o nome seguinte, sem se lembrar de mudar de óculos. Novo arrepio de estupefacção. Trocava-os. Fulano de tal. «Presente». Estremecimento. E assim sucessivamente, ao longo da chamada dos trinta alunos da turma.

A razão por que não opto de imediato por umas lentes progressivas é simples; e estúpida: tiveram sempre má fama. Ainda ecoam histórias aberrantes no meu subconsciente, seja isso o que for. Pessoas que padeciam para se lhes adaptar. Sofriam tonturas. Caíam ridícula e estrepitosamente na escada rolante. Alucinavam, quase. Mas como, por outro lado, já não suporto o gesto de tirar e pôr consecutivamente as cangalhas, consoante mire a linha do horizonte, ou me aproxime da página de um livro, começam a faltar-me alternativas. No fundo, sim - para não falar de operações redentoras, que me devolveriam, em certa medida, os olhos da juventude, mas a que não me atrevo ainda - resta-me ganhar coragem para me adaptar a umas lentes progressivas. Bem vista a coisa, e fazendo fé no nome, deve ser o único verdadeiro progresso na vida de um tipo.  

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