domingo, 30 de julho de 2017

MARCELO


Num dos diálogos mais subtis e inteligentes que, sem me meter, acompanhei no Facebook (sim, encontra-se aí o palpitar de alguma vida para além dos insultos e contra-insultos em português de trapos, frases delicodoces e gente a querer descobrir que flor seria, ou que rosto terá daqui a 20 anos), dois amigos comentaram uma fotografia do Presidente da República em que este observava, atentamente, a capa de um disco dos Doors.

Um desses amigos elogiava-lhe o bom-gosto musical, e perguntava se não havia maneira de Marcelo ser apanhado a cometer uma gafe. O outro notava o facto de nem se tratar de uma foto do homem segurando um álbum elitista dos Doors, desses apreciados unicamente por connaisseurs, o que seria já excessivo e poderia fazer crer numa encenação: não, nem de mais nem de menos; apenas um mix despretensioso e certeiro das músicas mais populares da banda.

Os rapazes não deixam de ter razão. Marcelo possui este à-vontade em tudo quanto faz, que não vemos nos políticos portugueses em geral, e se torna o seu grande trunfo. Eu não gostaria de ser mau: resisto desde já, portanto, à apetecível comparação com o Professor Cavaco. Mas ponham-no ao lado de Passos Coelho: o tipo de discurso em que este se compraz, todo parêntesis e rodriguinhos, a sistemática preferência pela oração complicada ao invés de uma mais simples, a voz de barítono, o fácies retraído, o queixo tenso. Com quem deixavam o vosso filho, por um minuto, se tivessem de ir à casa de banho?

Em Marcelo tudo soa natural e espontaneamente certo, sem esforço, autêntico: a palavra que conforta, o gesto que aproxima, o olhar que o torna familiar. O sorriso, o porte, a gravata, o after-shave. Até o discreto distanciamento em relação ao Acordo Ortográfico. Podemos dar-nos ao luxo, tão portugueses que somos na nossa perpétua insatisfação, de nos fartarmos dele, por vezes. Irra, que é de mais! Agora as selfies? E já chegou à zona em que se refazem de um incêndio? E propõe seguir dali para um briefing e ir, depois, visitar uma aldeia, porque chegou mais cedo do que o previsto e tem tempo para conciliar tudo? Homem, que assim também nos cansa. Não que se canse: cansa-nos!

Dir-me-ão: o cronista faz um louvor ad hominem. Nada disso é político. Ou quase nada. O que acontece é que, precisamente, entendo que estamos perante uma maneira, a que alguns chamariam populista, de praticar a política. Fazer-se presente em carne e osso. No caso de Marcelo, fazer-se omnipresente.

Dir-me-ão: e quanto às ideias, senhor cronista?! O coração à direita? A classe ou a família políticas a que pertence e que representa? Marisa Matias bem nos alertou: Não vão em cantigas. Por muito simpático e cativante que seja como indivíduo, funcionará inevitavelmente como o candidato da Direita (do "Grande Capital", da "reacção" and so on...). Bem, a preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa não tem sido facilitar a vida ao "Grande Capital" ou à "Direita reaccionária" - como o fez Cavaco, ou como, ao contrário, faria porventura Marisa, trocando "Direita" por "partidos da Esquerda" -, mas apoiar o percurso do governo, escutar as queixas da oposição, acorrer às situações de crise. Há-de cometer erros. Tudo bem. Não falamos de um Deus: só do homem certo no lugar e no tempo certos.



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