sábado, 29 de julho de 2017

UM COMITÉ CENTRAL EM CADA UM DE NÓS


É impressionante o poder da tribo sobre a consciência do indivíduo. Todas as nossas percepções são mobilizadas para se constituirem numa interpretação dos factos, segundo os interesses e a lógica do grupo. É por isso que o consenso entre representantes de tribos diferentes não poderia senão ser uma ideia reguladora, no sentido kantiano: uma meta infinita, um ideal em que acreditamos, mas inalcançável praticamente. Um fanático do Porto e um fanático do Benfica nunca poderão estar de acordo. Eles viram coisas diferentes, acham causas que não coincidem, expõem realidades paralelas. Enervam-se de que, ao adversário, escape o que lhes é evidente.
O mesmo, naturalmente, no mundo da política. O partido em que se vota, nem precisa de ser aquele de que se possua um cartão de membro, cola-nos a uma visão e a um discurso maniqueístas e fechados sobre si. O oponente é um tolo. Ou um crédulo. Mais fácil, ainda, seria julgar que está de má-fé.

Impressiona, igualmente, perceber como, a este nível, não existem factos puros e duros, factos-factos, indesmentíveis. Torna-se possível uma hermenêutica que, em todos os casos, lhes esprema significados antitéticos. O défice diminuiu? Agora escolha: é uma vitória retumbante da Geringonça, ou o colher dos frutos árdua e impopularmente preparados por Passos Coelho? O desemprego desceu? Escolha: deve-se ao trabalho do governo, ou às medidas laborais propostas ao tempo de PSD/PP? Os alunos portaram-se bem nos exames de Português e de Matemática? Já ouvimos Nuno Crato a rejubilar com o que fez para isso. (Neste caso, nem lhe conveio sugerir a possibilidade, anti-Geringonça, de que os bons resultados, no Exame de Português, pudessem ter que ver com uma fuga por que seria, alegadamente, responsável uma "explicadora comuna" e geralmente bem informada.)

Nos melhores, ressoariam, ainda, sob o discurso oficial, dúvidas impertinentes, peças que se não sabe onde encaixar, questões que soam como problemas. São feitios dissonantes. Mas para a maioria das pessoas (com o hipnótico auxílio dos media que, em Portugal, servem para ecoar versões, nunca ou raramente para fazer delas duvidar imparcialmente), a consciência de cada um está dominada por um reconfortante comité central.

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