quinta-feira, 27 de julho de 2017

EMBRUTECENDO AS PESSOAS QUASE À BORLA


Passando (ao largo) de um KFC, a celebérrima cadeia de restaurantes de frango frito, reparo neste ostensivo anúncio: «A desencorajar os modos à mesa desde 1995».

Poderia ter piada: tomava-se a frase como um meio feliz e bem-humorado de apelar para o hemisfério rebelde dos jovens, a sua necessidade de desafiar os limites da decência e do bom-gosto burgueses e em desuso. Sucede apenas que, se dominarmos uma primeira repelência e nos dermos ao trabalho de olhar para as mesas de um desses restaurantes, confrontamo-nos imediatamente com o espectáculo de famílias de grunhos (compostas por avós, pais, filhos e netos; ou seja: nada que indique a cultura implicitamente apregoado do conflito de gerações), indiferentes à sua obesidade, os dedos brilhando de gordura, num misto de ruídos, bonés, tatuagens e refrigerantes gasosos. Por outras palavras: o anúncio está demasiado próximo da verdade para que possa, realmente, ter graça. É sinistro. A mim, assusta.

Assusta porque, e chamem-me reaccionário à vossa vontade, os KFC, os Mac e os King - os restaurantes de «comida veloz» - representam um retrocesso civilizacional: menos grave do que Trump, no imediato, mas mais corrosivo a longo prazo. Umas quantas décadas disto, e os jovens ficarão tão estupefactos diante do uso de talheres, como já ficam ao ver uma pessoa de idade a assoar-se a um lenço de pano.

Para além de que é tudo aos baldes. Quantidades megalómanas de ruidosos e saborosos fritos. Mais por menos. Não é preciso ser-se um vegetariano (como eu sou) para perceber o elemento trágico da coisa. Falo só do que é visível a olho nu, escuso-me a alongar-me acerca do que está sob a superfície (e que é, sem dúvida, o essencial), a chacina cruel e sistemática de animais que, na forma de hambúrguer ou de coxinha de frango, não nos lembram propriamente os animais que eram. Mantenhamo-nos, pois, no visível, para não parecer que arranco lágrimas fáceis. O único slogan honesto seria: "Arruinando-lhe o corpo e o espírito quase de borla".

O assassinato em massa dos animais, a saúde, os modos e o paladar dos consumidores: claro que tudo o que seja consciência e requinte acabará vencido contra estes deliciosos pedaços de matéria saturada em ketchup, óleos e conservantes.

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