sexta-feira, 28 de julho de 2017

O NABO ORGULHOSO


Há diferentes tipos de especialistas em futebol: com óculos e cabeleira de caracóis, ex-jogadores ou ex-treinadores, fanáticos desta ou daquela equipa que se reúnem para debater, na rádio ou na televisão; ele há também os comentadores de jornal, os proprietários de cafés, os taxistas, os barbeiros e os restantes portugueses. Porém, sobram já muito poucos especialistas com a minha característica. Talvez até, actualmente, em Portugal, nenhum outro subsista para além de mim. Não espanta pois que, por causa precisamente desta singularidade, tenha chegado a pensar escrever uma coluna num jornal desportivo. Prestem atenção: eu não percebo de futebol. Nada. E é então isso que pode fazer a diferença e o arrojo da minha visão.

     Há uns quantos anos, existiam alguns especialistas do meu calibre. Eram as mulheres: uma mulher, se bem me lembro, irritava-se com o futebol e, diante de um jogo fascinante na tv, mostrava-se totalmente incapaz de se empolgar; não conhecia as regras; dizia asneiras. Hoje?! As mulheres?! Senhor! São adeptas ferrenhas e competentes. Fazem parte de mesas redondas; assinam colunas em A Bola. E por aí fora.

     Claro que os outros homens não vêem com bons olhos um ignorante como eu, e por isso, em encontros de amigos, trato de disfarçar. Decoro duas ou três frases que oiço no autocarro (é mesmo uma das razões por que aprecio andar de autocarro; a outra é não ter carta de condução: mais uma nabice – o que estará o leitor a pensar de mim?! «Que raio de gajo é este? E ainda confessa, como se tivesse orgulho?»), mas, escrevia eu, decoro duas ou três frases escutadas no autocarro e, mais tarde, no meio de uma discussão futebolística, lanço-as ao ar. Nem sempre sei medir quando, como, e perante quem as deveria utilizar. Às vezes, provocam uma celeuma terrível, como se eu fosse um espectador de cachecol e bonezinho do Futebol Clube do Porto, perdido no meio de um grupo de benfiquistas. Vejo bigodes que se eriçam, olhares que se fixam, coruscantes, no meu rosto, veias que incham em pescoços: «O que é que tu estás a dizer?» Em geral, não sei o que estou a dizer. Tento defender-me, mas é difícil quando se não domina o assunto.

     Se já perdi amigos? Oh, mas sim – e como! Demorei tempo a perceber que tudo quanto se diga a propósito do futebol nos marca para a vida e para a morte. Já escrevi atoardas políticas e até recebi apoio; já sustentei dislates religiosos, mas isso até o Papa o pode fazer, como quando disse que daria um murro em quem dissesse mal da sua mãe, para justificar um certo grau de violência religiosa; já quebrei regras de etiqueta: só a Bobone cortou relações, o que foi um efeito feliz. Mas com o futebol não é assim. Os erros pagam-se – e tudo o que eu disse era errado, ou para uns, ou para outros. Portanto, retomando a pergunta: perdi amigos? Sim, oh se sim. Muitos? Deixe-me cá ver… a prazo, todos!

     Mas se não é isto que me torna um especialista raro na matéria, então não sei nada do assunto.

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