Há diferentes tipos de
especialistas em futebol: com óculos e cabeleira de caracóis, ex-jogadores ou
ex-treinadores, fanáticos desta ou daquela equipa que se reúnem para debater, na
rádio ou na televisão; ele há também os comentadores de jornal, os
proprietários de cafés, os taxistas, os barbeiros e os restantes portugueses. Porém,
sobram já muito poucos especialistas com a minha
característica. Talvez até, actualmente, em Portugal, nenhum outro subsista
para além de mim. Não espanta pois que, por causa precisamente desta
singularidade, tenha chegado a pensar escrever uma coluna num jornal
desportivo. Prestem atenção: eu não percebo de futebol. Nada. E é então isso
que pode fazer a diferença e o arrojo da minha visão.
Há uns quantos anos, existiam alguns especialistas
do meu calibre. Eram as mulheres: uma mulher, se bem me lembro, irritava-se com
o futebol e, diante de um jogo fascinante na tv, mostrava-se totalmente incapaz
de se empolgar; não conhecia as regras; dizia asneiras. Hoje?! As mulheres?!
Senhor! São adeptas ferrenhas e competentes. Fazem parte de mesas redondas;
assinam colunas em A Bola. E por aí
fora.
Claro que os outros homens não vêem com
bons olhos um ignorante como eu, e por isso, em encontros de amigos, trato de
disfarçar. Decoro duas ou três frases que oiço no autocarro (é mesmo uma das
razões por que aprecio andar de autocarro; a outra é não ter carta de condução: mais
uma nabice – o que estará o leitor a pensar de mim?! «Que raio de gajo é este?
E ainda confessa, como se tivesse orgulho?»), mas, escrevia eu, decoro duas ou
três frases escutadas no autocarro e, mais tarde, no meio de uma discussão
futebolística, lanço-as ao ar. Nem sempre sei medir quando, como, e perante
quem as deveria utilizar. Às vezes, provocam uma celeuma terrível, como se eu
fosse um espectador de cachecol e bonezinho do Futebol Clube do Porto, perdido
no meio de um grupo de benfiquistas. Vejo bigodes que se eriçam, olhares que se
fixam, coruscantes, no meu rosto, veias que incham em pescoços: «O que é que tu
estás a dizer?» Em geral, não sei o que estou a dizer. Tento defender-me, mas é
difícil quando se não domina o assunto.
Se já perdi amigos? Oh, mas sim – e como!
Demorei tempo a perceber que tudo quanto se diga a propósito do futebol nos
marca para a vida e para a morte. Já escrevi atoardas políticas e até recebi
apoio; já sustentei dislates religiosos, mas isso até o Papa o pode fazer, como quando disse que daria um murro em quem dissesse mal da sua mãe, para justificar um certo grau de violência religiosa; já
quebrei regras de etiqueta: só a Bobone cortou relações, o que foi um efeito
feliz. Mas com o futebol não é assim. Os erros pagam-se – e tudo o que eu disse
era errado, ou para uns, ou para outros. Portanto, retomando a pergunta: perdi
amigos? Sim, oh se sim. Muitos? Deixe-me cá ver… a prazo, todos!
Mas se não é isto que me torna um
especialista raro na matéria, então não sei nada do assunto.
Sem comentários:
Enviar um comentário