domingo, 30 de julho de 2017

UM POUCO GENTIL MARTINS



Fernando Nobre foi um dos fundadores da Ami; andou, heroicamente, por aldeias do quinto mundo, salvando crianças subalimentadas e curando doentes que as más condições haviam programado para a morte. Infelizmente, entrará para a História como candidato falhado e ridículo à Presidência da República e, uma vez virada essa página de má nemória, como o deputado que só aceitava sê-lo se o quisessem na qualidade de Presidente da Assembleia, acabando, solitária e tristemente, a falar ao telemóvel, num recanto do hemiciclo.

Gentil Martins, insistem em lembrar-me, carrega, como uma mochila incorporada em si, uma longa carreira de que fazem parte, 1: um trabalho de consciencialização dos portugueses para as práticas saudáveis e 2: improváveis feitos médicos e, em particular, cirúrgicos. Temo que venha a entrar para a História como o senhor que expeliu, perdão, exprimiu algumas considerações insultuosas relativamente aos homossexuais e a Cristiano Ronaldo.

Existem, nestes melancólicos casos, grandes lições a aproveitar: que nenhuma carreira, por longa e meritória, nos confere qualquer estatuto blindado, acima do juízo, como diria a Teresa Guilherme, "dos portugueses"; que um glorioso passado não é uma vacina contra a possibilidade de fazermos ou dizermos graves inanidades; que basta um instante de estupidez para se esvaziar uma vida heróica; e que, na hipótese de nos preocuparmos com a posteridade, melhor seria que refreássemos a nossa ambição em explorar territórios desconhecidos.

Há, acerca da entrevista de Gentil Martins ao Expresso, duas ideias que devo, porém, sublinhar. Não hesito em admitir que ele tenha o direito de pensar o que quer que pense, e de o exprimir. Daí que me pareça uma idiotice de sinal contrário a sanha persecutória de uma Isabel Moreira, ansiosa por que o castiguem. Observamos, episodicamente, estes tiques de pequenos ditadores, que, na política, marcam ferozmente as reacções de certas pessoas contra as ofensas ao que constitui o seu sagrado. É mais forte do que elas, como um arroto, para recordar as palavras de Eça. Não me lembro de qual foi a posição de Isabel Moreira a propósito do direito a caricaturar Maomé num cartoon, mas suspeito que, aí, defendesse a liberdade de expressão.

A outra ideia é que, a despeito do seu direito de pensar erradamente e de o enunciar em público, e ainda que, como afirmou posteriormente, sem intenção de magoar ninguém, os seus comentários humilham e rebaixam inegavelmente os homossexuais. E Cristiano Ronaldo. Posso criticá-lo por isso, e faço-o. Mostrar, até, que, pela sua notoriedade, Gentil Martins faz recuar, objectivamente, num caminho de séculos para a liberdade e para a emancipação humana (o reconhecimento dos Direitos de qualquer grupo específico é sempre uma vitória de todos). Porém, não pode haver delito de opinião numa sociedade aberta. O facto de se revelar o pior de si é já punição bastante para tê-lo feito.

Sem comentários:

Enviar um comentário