segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A BELA GALILEU


As Fnac e as Bertrand têm a sua indiscutível comodidade. São-nos úteis. Passamos por corredores onde achamos os livros que queríamos e, literalmente, os que não queríamos, tropeçamos em novidades, sentamo-nos tranquilamente a folhear, encomendamos o que não exista nas prateleiras.

Tendemos a esquecer-nos de que as livrarias não eram isto, e pior, de que isto tem levado ao silencioso encerramento das de antigamente (veja-se, um pouco por todo o lado, o caso das Bulhosa ou a Trama), e a um contínuo combate, das mais resilientes (e eu que havia jurado nunca na vida usar esta palavra), pela sua sobrevivência.

A Galileu, de Cascais, é um ícone. Era eu um adolescente, recém-chegado de Moçambique, quando aí fui desaguar. A abençoada Galileu preechia as minhas tardes de jovem muito tímido, estrangeiro para todos os efeitos, sem amigos, a aprender Portugal e os portugueses. Conheci e fui muitíssimo bem tratado pela Manuela, que lá trabalhava, e pela Paulina, de quem mais tarde me tornei colega, companheiro de luta política e amigo.

Os proprietários eram ousados e expeditos guardiões de livros de muitos lugares e de muitos tempos. Havia, na Galileu, uma cave de livros antigos, onde a pessoa se embrenhava como quem visita um outro planeta.

À entrada da livraria encontrávamos - e ainda! - banquinhas com livros em saldo, em inglês, em francês, em castelhano ou alemão, e os de colecções portuguesas de boa memória.

A sua montra é um permanente exercício de criatividade e bom-gosto. A Bela Galileu, como lhe chama a resistente Caroline Tyssen, mantém-se bela no seu jogo de claro-escuro, luz e sombra, exterior-interior, recente e antigo, presente e passado, cuidadamente expondo-se na sua história, de que sentimos a respiração em cada polegada, na sua estética, no seu amor. Amor pelos livros e amor pelas pessoas.

Tenho sabido que a livraria se debate, e de há muito, com as dificuldades que só uma pessoa com a fibra de Caroline Tyssen tem conseguido contrariar. E ninguém diria, porque, sobre essa luta, se ergue a imponente e bela Galileu, serena e bonita como sempre, e como se nada a magoasse.

Penso que o fechar de portas não tenha de ser o destino. Se fosse, os portugueses e os cascaenses não imaginam, ou muitos sim, mas a maioria não, aquilo que perderiam. Como a extinção do último, o mais raro e mais nobre de uma espécie maravilhosa.

Merece a pena o passeio a Cascais, sobretudo agora que o outono e o inverno se debruçam, os magotes de turistas desenfreados regressam aos seus países, a luz baixa um ou dois tons, e um certo mistério absorve de novo a realidade. É, certamente, o tempo ideal para uma visita à Bela Galileu.

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